sábado, 17 de setembro de 2011


Quem é o diabo?
Anjo caído, inimigo do homem, réu confesso, patrono da ciência e muso das artes. conheça as várias variáveis do senhor do mal
CLAUDIO JULIO TOGNOLLI
Ele aparece no dicionário Aurélio com 119 sinônimos. No Houaiss, há 136. O escritor Guimarães Rosa tinha sua coleção particular: Azarape, Arrenegado, Cramulhão, Indivíduo, Galhardo, Não-Sei-que-Diga, O-que-Nunca-se-Ri, Sem-Gracejos. São 29 passagens sobre ele nos Evangelhos, 25 delas citado pelo próprio Jesus. E o filósofo Jean-Paul Sartre dizia que "o inferno são os outros". Mas, venhamos e convenhamos: afinal de contas, quem é o Diabo? Onde ele habita? Estará em franca falência ou flamejante coroação?
A discussão sobre a topografia da Besta e de sua morada perpassa milhares de anos. Freqüentam vulgatas que vão da ciência à religião, passando por comportamento, psicanálise e mesmo arte. Questionando a Bíblia como ninguém, o fílósofo Bertrand Russell gostava de dizer que o homem criou Deus à sua imagem e semelhança. Num lugar, fez um senhor de barbas, noutro, fez dele o Sol. Se assim pensarmos, o Diabo vai pelo mesmo caminho: num mundo com tantas informações disponíveis, cada um constrói seu Satanás. É o Diabo à la carte. No mundo dito pós-moderno, a ordem é: faça você mesmo o seu Satã.
E não terá sido essa a eterna escolha dos escritores? Talvez sim. O pai do romance gótico, E.T.A. Hoffman, pôs o Tinhoso em suas obras, ora num doutor milagreiro, chamado Dapertutto, ora no sinistro Coppelius, que sonhava em arrancar os olhos das criancinhas. Robert Louis Stevenson achava que cada um tinha o diabo escondido dentro de si, e o dele era o Mr. Hyde (trocadilho com "hide", esconder em inglês), que volta e meia engolia o pacato Dr. Jekyll. Hermann Melville via o Satã na baleia branca Moby Dick, e Edgar Allan Poe também achava que o Senhor das Trevas não estava no escuro, mas na alvura da luz. O psicanalista Jacques Lacan notava que muitas vezes a figura do "estrangeiro", portanto, do desconhecido, pode nos servir como imagem do Demo.
Nosso Machado de Assis talvez tenha sido mais profundo que os anteriores. Em seu conto "A Igreja do Diabo", Satã desce à Terra e descobre que as maldades ensinadas em seu templo estão sendo desrespeitadas. Os homens estão praticando virtudes às escondidas. "Certos glutões recolhiam-se a comer frugalmente três ou quatro vezes por ano, justamente em dias de preceito católico; muitos avaros davam esmolas, à noite, ou nas ruas mal povoadas; vários dilapidadores do erário restituíam-lhe pequenas quantias", escreve Machado. No final, o Diabo volta aos céus. E Deus lhe consola: "Que queres tu? É a eterna contradição humana".

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